25 de set. de 2010

CORAGEM, PRESIDENTE

Tenho verdadeiro fascínio pela jurisdição constitucional. Apresento-me sempre como um constitucionalista romântico, aquele inspirado pelo constitucionalismo que deu causa histórica à adoção da Constituição do Império do Brasil. Assim, acredito na constituição como instrumento de garantia de direitos individuais, como ferramenta de limitação do poder do estado, em qualquer das três formas pelas quais se exercite.

Nesta perspectiva, tendo por absoluto que o magistrado titular de jurisdição constitucional não está autorizado à abrir exceções ao quanto disposto na Carta que jurou defender, aguardei com expectativa o julgamento do caso Roriz. Bem sei que nem todas as hipóteses de incidência da lei nova seriam debatidas, mas pelo menos a questão da aplicação imediata eu esperava ver decidida. Havia justa expectativa de aplicação da lei chamada Ficha Limpa para a eleição de 2012, em homenagem ao princípio da irretroatividade.

Fiquei confortável na companhia de constitucionalistas da estatura de Celso de Melo, Marco Aurélio e Gilmar Mendes. Explico. É que durante o processo, firme na crença de que o grande recado é dirigido à odiosa demora do Judiciário em lograr o trânsito em julgado de suas decisões, levei a questão à sala de aula, e à duras penas consegui fazer entender que não sou contra esse formidável movimento ético que se levantou contra a corrupção dos costumes. Sou contra certos aspectos da lei que, a meu sentir, violam preceitos constitucionais. Para mim, sem exceções, a constituição está acima de qualquer iniciativa legislativa, por maior mérito ético que tenha.

Para mim basta que, por indiscutível mérito de entidades comprometidas com a ética como OAB, CNBB e tantas outras, a lei nova tenha trazido para as ruas o debate sobre a importância de atenção ao passado dos candidatos. Ninguém, no Brasil de hoje, vota pelo eleitor, ou o obriga, falsificando a sua vontade. Assim, conscientização é o caminho por excelência para o aperfeiçoamento ético do parlamento. O eleitor, sempre ele, se utilizará de suas próprias balizas éticas para escolher seus representantes. As leis até podem ajudar mas, jamais, com infração, ainda que velada, à Carta da República.

Por todos esses argumentos, e não só estes, dois grupos formados à sombra deste debate - os favoráveis à aplicação imediata e irrestrita da lei, de um lado - e os temerosos de ofensa à Constituição, de outro, aguardavam com enorme expectativa a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Por isso a sensação de perplexidade que tomou conta da sociedade brasileira, ante o empate, sem proclamação de resultado, ocorrido na madrugada. Perplexidade que certamente vai ceder, assim que o
Presidente do Supremo Tribunal Federal desincumbir-se do dever de decidir, nos termos do regimento que o obriga, nunca lhe faculta. Restou, do extenuante debate de ontem, empate não solucionado pelo próprio regimento interno do STF, o que conduz à inexorável conclusão de que o Presidente tem que usar a regimental prerrogativa-dever de desempate, ante a ausência - no seu sentido mais amplo - de um de seus membros.

Na madrugada de sexta, o Ministro Peluso demonstrou apreço por seus pares. Na próxima segunda, certamente não lhe faltará coragem.

O  autor é Professor de Direito Constitucional e Desembargador do TJRO

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