8 de abr. de 2012

Os Sertões de Euclides da Cunha.


Resumo e análise da Obra Os Sertões de Euclides da Cunha.

Interessado nos acontecimentos de Canudos, Euclides da Cunha foi mandado pelo jornal como correspondente para reportar os eventos que lá ocorriam. Enviou uma série de artigos que futuramente seriam retrabalhados, dando origem a Os sertões. O livro foi concluído em São José do Rio Pardo, onde Euclides morou entre 1898 e 1901 para reconstruir uma ponte sobre o rio que corta aquela cidade do interior de São Paulo.
 Publicado em 1902, Os sertões alcançam repercussão nacional, permitindo a seu autor ingressar, em 1903, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e na Academia Brasileira de Letras. Em 1905 recebeu do Barão do Rio Branco, então ministro das Relações Exteriores, designação para chefiar a Comissão de Reconhecimento do Alto Purus, que deveria fazer as demarcações na fronteira amazônica com o Peru e a Bolívia. Executou a tarefa com determinação e tomou conhecimento da realidade da região. Desta experiência escreverá uma série de textos como Peru x Bolívia e o clássico À margem da História.
Euclides buscou, enfim, apreender com grande honestidade a natureza as transformações que marcavam o seu tempo, absorvendo com maior ou menor profundidade tendências do pensamento do final do século XIX e começo do XX.

Aspectos histórico-sociais
Antônio Conselheiro e Canudos: Os sertões são o livro acerca de uma das maiores tragédias ocorrido no Brasil: aquela acontecida em 1897, em Canudos, às margens do rio Vaza-Barris, na Bahia. É necessário entendê-la para perceber os motivos e razões que levaram Euclides da Cunha a escrever seu livro mais famoso.
Ao nome de Canudos alia-se imediatamente o de Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro.
Antônio Conselheiro, também conhecido por Santo Antônio dos Mares, Santo Antônio Aparecido, Santo Conselheiro, Bom Jesus Conselheiro, nasceu em Quixeramobim, no Ceará, em 13 de março de 1830 (alguns autores dão como ano de nascimento 1828). Sua vida possui uma série de passagens em que se misturam lendas, fatos nebulosos, algumas informações comprovadas e uma impressionante capacidade de liderança entre os sertanejos. À maneira de muitos missionários que cortavam a imensidão nordestina, O conselheiro, aproximadamente a partir de 1871, passou a peregrinar por um período de mais de quinze anos entre Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.
Já em 1877 registrava a folhinha Laemmert, publicada no Rio de Janeiro:
Apareceu no sertão do Norte um indivíduo, que se diz chamar Antônio Conselheiro, que exerce grande influência no espírito das classes populares, servindo-se de seu exterior misterioso e costumes ascéticos com que impõe à ignorância e à simplicidade. Deixou crescer a barba e cabelos, veste uma túnica de algodão alimenta-se tenuemente, sendo quase uma múmia. Acompanhado de duas professas, vive a rezar terço e ladainha e a pregar e a dar conselhos às multidões. Que reúne, onde lhe permitem os párocos; e, movendo sentimentos religiosos, vai arrebanhando o povo e guiando-o a seu gosto. Revela ser homem inteligente, mas sem cultura.
Apesar dos adjetivos desabonadores postos na Folhinha, o que indica certa pressa em impingir um juízo negativo da figura de Antônio Conselheiro, revela-se  o fato de ele exercer grande influência no sertão, além, evidentemente, de começar a ser conhecido em todo o Brasil.
Em 1876 foi preso ilegalmente na vila de Itapicuru, na Bahia, e enviado ao Ceará para ser julgado pelo assassinato da mãe e da esposa. Constatada a falsidade da acusação, foi solto e retomou as pregações. Ao reaparecer no sertão da Bahia, teve seu prestígio aumentado.
 Passa então a reunir crescente número de seguidores e se dedica aos ofícios religiosos, à reforma ou construção de igrejas, muros de cemitérios, pequenos tanques de água, até fixar-se, em 1893, no norte da Bahia, em uma velha fazenda de gado chamada Canudos. Este nome derivava da existência na região de plantas (canudos-de- pito) que cresciam às margens do rio Vaza-Barris. Com a chegada do Conselheiro e alguns seguidores ao lugar que, com uma tapera, servia praticamente de pouso aos vaqueiros, teve início uma intensa migração, a ponto de, quatro anos depois, em 1897, quando Canudos foi destruída pelo Exército, existirem ali mais de cinco mil edificações, com uma população que excedia vinte mil pessoas.
Este deslocamento em direção a Belo Monte, nome com o qual Antônio Conselheiro rebatizou Canudos, chegou a gerar falta de mão-de-obra em toda a região, afetando, segundo o fazendeiro Barão de Geremoabo, até o estado de Sergipe:
[...] Causava dó verem-se expostos à venda nas feiras, extraordinária quantidade de gado cavalar, vacum, caprino, etc., além de outros objetos, por preços de nonada, como terrenos, casas, etc. O anelo extremo era vender, apurar algum dinheiro e ir reparti-lo com o Santo Conselheiro. (p. 122)
Canudos possuía uma organização social com certas peculiaridades. Havia o líder espiritual Antônio Conselheiro, a irmandade, pequenos comerciantes e o povo que para lá se dirigia pelas mais variadas razões, entre elas a fuga do despotismo dos coronéis, a busca de formas alternativas de vida, a procura dos crentes pela salvação e as pendências que alguns possuíam no chamado mundo legal, aquele dominado por uma justiça que favorecia os poderosos.
Alguns autores chegam mesmo a considerar Belo Monte como um núcleo vivendo de intenso comércio, mantendo bom fluxo de mercadorias com outras cidades, em particular com Juazeiro da Bahia, explorando atividades agropastoris, vendendo couro, especialmente de bode e cabra, animais que existiam em grande quantidade na caatinga.
Uma série de normas, condutas e comportamentos davam, ainda, face especial a Canudos. Proibiam-se a bebida, o adultério, o casamento civil, a circulação do dinheiro republicano, a acumulação de bens materiais. Enfim, algo que lembrava certas comunidades cristãs primitivas, só que no final do século XIX e com as injunções postas pelo desenvolvimento do capital naquele momento.
Neste quadro pontificava a figura do líder Antônio Conselheiro. Um homem simples, marcado pelo ascetismo e pela austeridade ética. Vestia-se com uma túnica azul de brim americano, usava cabelos e barba longos, e se punha na missão de dar continuidade à palavra de Deus. Auto proclamava-se, simplesmente, peregrino.
Isto diferenciava Antônio Conselheiro dos padres sertanejos, que em boa parte pregavam uma coisa e faziam outra, muitos deles com família, filhos, bens pessoais etc. Criava-se, já aqui, nas populações da região, uma diferença importante entre os membros oficiais da hierarquia católica e o Conselheiro, o herético que que sobrevivia no limite da miséria, pregando a salvação por meio das boas ações, chamando a todos de Irmãos, mas cujos atos estavam inequivocamente mais ajustados aos princípios da vida religiosa.
Antônio Vicente Mendes Maciel havia cursado as primeiras letras e trabalhado, também, em atividades que exigiam razoável domínio da língua portuguesa: foi caixeiro e escrivão de juiz de paz. Apreendeu os textos sagrados, sobretudo por meio do Antigo Testamento. Suas prédicas afirmavam os temas da fé numa perspectiva antirreformista, portanto condenatória da separação entre o Estado e a Igreja, conforme havia resultado da instalação do regime republicano.
Com a recusa do Estado laico, vinha também a fala restauracionista, a crítica ao modelo republicano (republica), assim como a afirmação de Canudos como a terra santa, o lugar onde seria possível salvar-se do mundo corrompido pela ação do dinheiro, do presidente, dos padres que perderam a fé e se aliaram aos interesses mundanos. Colocado na perspectiva do tempo, é possível dizer que o ideário meio confuso de Antônio Conselheiro era menos contra alguma coisa e mais a favor da manutenção de um espaço religioso que abrigasse os excluídos de diversos matizes, e onde fosse possível viver a verdadeira fé, aquela que já não existia mais fora de Canudos. Desejava-se, enfim, aguardar o Juízo Final que proporcionaria aos Irmãos a redenção definitiva. Numa palavra, Canudos fundia certos traços característicos dos lugares de espera messiânica com as naturais inter- ocorrências do dramático quadro histórico-social que marcava o Nordeste brasileiro no final do século XIX.

A Guerra: A ação de Antônio Conselheiro e o crescimento de Belo Monte acabaram provocando reações dos fazendeiros e coronéis nordestinos, da Igreja e dos republicanos, em especial dos setores mais radicais do Exército, os jacobinos.
Por razões aparentemente diferentes, o que ocorria às margens do rio Vaza-Barris provocava a ira dos grandes proprietários de terras, que reconheciam no exemplo de Canudos um perigo para o latifúndio; da Igreja, por ver um herético? Ter mais força e penetração popular do que os clérigos que professavam a palavra oficial do catolicismo; dos republicanos, que movidos por vários tipos de entendimentos e interesses difundiam a ideia de existir no lugar uma insurgência cujo objetivo seria marchar em direção ao Rio de Janeiro, depor Prudente de Morais e reconduzir ao trono d. Pedro 11. Quanto aos jacobinos, tratava-se de aniquilar Canudos, restaurar a ordem e, respaldados pela vitória, impor um novo ciclo de poder centrado na mão dos militares.
Havia, portanto, um quadro totalmente adverso a Belo Monte, aumentado, ad mais, pela ação jornalística que em sua maioria reafirmava na capital do País a ideia da existência no sertão nordestino de um grupo composto por ignorantes, místicos, bandidos de várias espécies, gente simples manipulada em sua boa-fé, liderado por um louco que conspirava contra a nascente República. Criadas as condições para o ataque do país legal ao país real, uma série de incidentes serviu para precipitar O que se colocava de forma cada vez mais inevitável: o envio de tropas para destruir Canudos.

A Primeira Expedição: Um pequeno acontecimento acabou determinando o início da guerra sertaneja. Para concluir uma das igrejas de Canudos, Antônio Conselheiro mandou comprar um lote de madeira em Juazeiro (BA), pelo qual pagou adiantado. Como o material não foi enviado segundo o combinado, o líder dos canudenses mandou avisar que iria buscá-lo. Ocorre que o juiz de Direito da cidade, o dr Arlindo Leôni, um antigo desafeto de Antônio Conselheiro, resolveu aproveitar-se da situação para provocar a desafronta. Para tanto, passou a considerar o aviso do Conselheiro um desafio à lei e uma ameaça de invasão a Juazeiro. O juiz Leôni, antecipando-se aos fatos, solicitou ao governo estadual o envio de tropas a fim de proteger a população da cidade do suposto iminente ataque dos canudenses. Ao chegarem os 107 homens comandados pelo tenente Pires Ferreira, a ordem foi não para que defendessem Juazeiro, mas para que atacassem Antônio Conselheiro. O que se viu foram soldados mal preparados enfrentando mais de cem quilômetros de terreno adverso, em pleno período de seca.
O resultado foi inevitável: a humilhação da derrota. A fuga em debandada, o abandono de armas, enfim, um espetáculo em que a prepotência do dia anterior ficou reduzida à completa humilhação. A vitória dos canudenses em 21 de novembro de 1896, no povoado de Uauá, significava, porém, um triunfo que a legalidade do Estado não poderia tolerar. Estavam criadas as condições para o início da luta contra Antônio Conselheiro e seus seguidores.

A Segunda Expedição: A derrota de Pires Ferreira causou fortes constrangimentos no mundo oficial. Era necessário reagir prontamente. Em novembro de 1896, alguns dias após o fracasso da primeira expedição, o general Frederico Sólon, sogro de Euclides da Cunha, comandante do Distrito Militar da Bahia, preparou novo ataque a Canudos. A missão foi confiada ao major Febrônio de Brito. Sob suas ordens reuniram-se 560 soldados, duas metralhadoras Nordenfeldte e dois canhões Krupp.
Nos primeiros dias de janeiro de 1897 a tropa marchou contra Belo Monte com o intuito de, em rápida batalha, destruir o lugar e dispersar os sertanejos. O que ocorreu, no entanto, foi algo diverso. Ao atravessar a serra do Cambaio, num ponto chamado Tabuleirinhos de Canudos, os militares foram recebidos pelos seguidores de Antônio Conselheiro que, aos gritos de "Avança! fraqueza do governo!", realizaram violento ataque provocando pânico e morte entre os soldados. Após rápida conferência com seus subordinados, Febrônio de Brito não viu outra saída senão bater em retirada.
O que ocorreu, no entanto, foi uma caótica debandada pela caatinga. Os soldados abandonavam as 11 armas e munições que iriam ser recuperadas e utilizadas pelos canudenses em futuros combates. Este novo fracasso do governo serviu para aumentar ainda mais o medo quanto à inevitabilidade do avanço de Antônio Conselheiro contra o Rio de Janeiro e a posterior recondução de Pedro II ao poder. Na crista deste delírio que fazia eco em vários dos principais jornais brasileiros armou-se mais uma força de ataque contra Canudos.

A Terceira Expedição: Confiada ao coronel Antônio Moreira César, herói da guerra do Paraguai, conhecido pela truculência e pelo espírito autoritário, esta nova missão visava a cumprir dois objetivos. O primeiro, sepultar definitivamente Canudos e "restabelecer a ordem" no sertão. O segundo, com a derrota de Antônio Conselheiro, inevitavelmente, o nome de Moreira César receberia aclamação nacional. Sendo ele uma das principais lideranças entre os jacobinos e seguidores de Floriano Peixoto, este grupo estaria, outra vez, em condições de organizar novos consensos de poder no País. A questão sertaneja tinha, como se percebe, conexões com outras, cujo centro estava muito distante das margens do rio Vaza - Barris.
Moreira César reuniu um contingente de 1300 soldados, farta munição, canhões Krupp« e uma única preocupação: a de que Antônio Conselheiro não o esperasse para o combate final. "Só receio a fuga dos fanáticos", dizia o coronel.
Tanta certeza e determinação fizeram com que Moreira César cometesse vários erros, incomuns em um homem como ele, dado a batalhas e reconhecido no Exército como importante estrategista. Mal chegado aos arredores de Canudos e sem a preparação prévia desejada por outros oficiais que o acompanhavam, ordenou uma carga de cavalaria. Os becos estreitos de um lugar que havia crescido sem nenhum planejamento, no entanto, criavam labirintos onde os soldados se perdiam, sendo mortos pelos sertanejos, muitas vezes a porrete.
A luta mal teve início e Moreira César ficou fora de combate, atingido por um tiro. Algumas horas depois estava morto. Repetiu-se, então, o ocorrido com as expedições anteriores. Soldados em fuga pela caatinga, mais de 130 mortos entre praças e oficiais, abandono de armamentos, desmoralização dos que haviam ido a Canudos com a certeza da vitória, e a mácula de um nome fadado a receber a glória. O deserto havia tragado o pacificador dos sertões.
Assim que a notícia do desastre chegou às cidades costeiras, grupos saíram às ruas para manifestar sua incredulidade e desejo de vingança. A agitação, o quebra-quebra, a exacerbação política levaram ao fechamento de jornais monarquistas, como Gazeta da Tarde e Liberdade, do Rio de Janeiro, e O Comércio de São Paulo. A cena vista da Rua do Ouvidor, aquela onde se reuniam políticos e jornalistas da velha Capital Federal, levou Elísio de Araújo a afirmar que naquele dia se chegara ao ápice da loucura, indicando o muito de confusão, boatos, oportunismo político          e violência que pairavam sobre o Rio de Janeiro. Em São Paulo ocorreu idêntica reação.
A cidade parou a fim de homenagear a memória de Moreira César e pedir pronta resposta de Prudente de Morais ao núcleo "sedicioso" da Bahia e seus inspiradores monarquistas, conforme relata o jornal O Estado de S. Paulo em 8 de março de 1897:
Nos sertões da Bahia, sob a capa de um fanatismo religioso, que não tem base, está enrolado o pavilhão do império. Nas armas e nas munições desse exército está o dinheiro dos restauradores. E, onde quer que se encontre um monarquista, está um coração que pulsa pela sorte dos fanáticos da Bahia, uma alma que segue com amor a devastação que essa horda de evadidos de cadeias e desertores de todos os estados vai fazendo nas suas correrias [...] A luta é contra a República. O governo tem de defender a República, tem de sufocar o movimento monarquista, ainda que seja preciso a violência.
No dia seguinte, o mesmo jornal, exagerando no perigo de Canudos, chega a invocar o estado de sítio e conclama: “A conspiração está sendo tramada. Faça-se a repressão; com a lei, se for possível, fora da lei, se for necessário".
Neste clima de tensão e medo o governo federal organizou um novo ataque a Canudos.

A Quarta Expedição: O último ataque a Canudos, cujos preparativos tiveram início em março de 1897, durou oito meses e teve por comandante-em-chefe o general Artur Oscar de Andrade Guimarães. Para tanto, houve mobilização nacional. Soldados do Rio Grande do Sul ao Amazonas receberam convocação para comporem as tropas. Foram cerca de dez mil homens, equipamentos modernos, canhões, enfim, uma arregimentação de tudo o que a engenharia de guerra possuía de mais moderno.
Formaram-se duas colunas. A primeira, sob a responsabilidade do próprio comandante-geral, seguiu por Monte Santo e Rosário; a segunda, dirigida pelo general Cláudio do Amaral Savaget, entrou por Aracaju e Jeremoabo. As colunas deveria encontrar-se em 27 de junho, no morro da Favela, nos arredores de Canudos, para o ataque final, o que não ocorreu. A luta, que estava programada para ser resolvida rapidamente, durou vários meses. Cercados nos morros que circundavam Canudos, tendo o contato entre van- guarda e retaguarda bloqueado pelos sertanejos, os militares estiveram a ponto de sofrer nova derrota, por volta do mês de julho.
O general Artur Oscar viu-se obrigado a pedir novos reforços, o que aconteceu com a brigada Girard e demais brigada policial vinda de vários estados brasileiros. O governo federal chegou mesmo a enviar para o campo de luta o próprio ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, que estabeleceu o seu quartel em Monte Santo e de onde passou a organizar os serviços de infraestrutura da campanha. 
Prosseguimento dos combates, o cerco total promovido no último mês pelo Exército, o total isolamento dos Conselheiristas, com o consequente agravamento do quadro de fome e doenças, precipitaram a inevitável derrota. Em 5 de outubro de 1897 o conflito foi dado por terminado. "No dia 6 acabaram de destruí-lo despachando-lhe as casas, 5.200, cuidadosamente contadas." (p.407).
Dos quase vinte mil canudenses, afora alguns velhos e crianças os demais foram mortos.

Estrutura de Os Sertões: Estrutura compositiva de Os sertões segue um rigoroso esquema determinista. Três partes integradas formam o seu núcleo organizacional: A terra, O homem, A luta.
Isto quer dizer que Euclides da Cunha partia do pressuposto segundo o qual para se entender de forma científica a totalidade dos eventos de Canudos era necessário considerar o cruzamento dos fatores ambientais, geográficos (A terra); dos aspectos antropológicos, que mostrassem os cruzamentos raciais e o surgimento do tipo sertanejo (O homem); das circunstâncias históricas, culturais, políticas, sociais ensejadoras dos acontecimentos, no caso a guerra de Canudos (A luta).
 O esquema que dirige a obra é resultante daquela convivência com o Cientificismo o do final do século XIX, particularmente do Determinismo de Taine. No entanto, o rigor desta estrutura, conquanto se mantenha como uma espécie de coluna diretora da narrativa, na prática é flexibilizada pela escrita euclidiana, maior do que os esquemas, mais lúcida do que a fórmula e a certeza racionalista segundo a qual para se chegar a bom termo num texto era preciso adotar um bom sistema explicativo dos fenômenos que estavam sendo apresentados.
De posse destes elementos, vejamos de forma mais detalhada como Euclides da Cunha elaborou o mundo sertanejo, Antônio Conselheiro, Canudos, a ação militar, os combates. Como, em última análise, o autor e Os sertões pensou a complexa dinâmica social, cultural, política do Brasil no final do século XIX.

A TERRA: A primeira parte da obra faz um minucioso estudo das condições geofísicas do sertão brasileiro. Fornece um quadro mesológico, ambiental da região. Os conhecimentos que Euclides possuía como engenheiro aliados ao interesse pelas ciências naturais permitiram a elaboração de um pequeno ensaio sobre o ambiente, a geologia nordestina, considerado, aliás, um dos primeiros estudos realizados seriamente entre nós sobre a questão. Ao descrever o meio sertanejo, Euclides acentua o aspecto de uma paisagem torturada, obrigada a viver violentos contrastes - "A natureza compraz-se em um jogo de antíteses" (p. 38) -, entre os verões queimosos e os invernos torrenciais.
É esta formação desequilibrada que gera a aridez do solo e dá à região uma face excepcional e selvagem, onde predomina a vegetação agreste, de caatingas, mandacarus, solo pedregoso e sol intenso. E emenda: [...] É uma paragem impressionadora. As condições estruturais da terra lá se vincularam á violência máxima dos agentes exteriores para o desenho de relevos estupendos. O regímen torrencial dos climas excessivos, sobrevindo, de súbito, depois das insolações demoradas, e embatendo naqueles pendores, expôs a muito, arrebatando-lhes para longe todos os elementos degradados, as séries mais antigas daqueles últimos rebentos das montanhas:
 Todas as variedades cristalinas, e os quartzitos ásperos, e as filades e calcários, revezando-se ou entrelaçando-se, repontando duramente a cada passo, mal cobertos por uma flora tolhiça - dispondo-se em cenários em que ressalta, predominantemente, o aspecto atormentado das paisagens. (p. 13)
Com isto pretende-se configurar o sertanejo como um forte, alguém forjado nas adversidades, marcado por uma longa convivência com as tragédias naturais, apto a resistir às oscilações do clima, da falta de água, da paisagem agreste: o martírio do homem, ali, é o reflexo de tortura maior, mais ampla, abrangendo a economia geral da Vida. Nasce do martírio secular da Terra... (p. 44)
Ademais, ao estudar de forma tão detalhada a cena física aonde a guerra irá se desenvolver, Euclides procura fazer uma vasta coleta de dados a fim de realizar afirmações futuras calcado em bases "científicas".

O HOMEM: Esta é a secção do livro mais paradoxal e marcada por contradições. Ao tentar o que seria um estudo das bases antropológicas do homem brasileiro, o autor, orientado pelas teorias raciais do século XIX, acaba compondo um quadro de fundo preconceituoso acerca do sertanejo.
O princípio orientador de tais concepções é o de que a história da humanidade se faz pelo domínio das raças fortes sobre as fracas. E isto quer dizer que existe uma prioridade da raça branca sobre as resultantes dos processos de miscigenação, de cruzamentos, de mestiçagem: "A mestiçagem extremada é um retrocesso" (p. 77).
A mistura de negros, portugueses, índios, caso parcular de nossa formação étnica, seria a causa do fato de estarmos condenados a não ter unidade racial e não “a teremos, talvez, nunca” (p. 51).
O sertanejo como uma sub-raça, produto de múltiplos cruzamentos, representaria a involução biológica, negação do progresso, portanto da capacidade de absorção das grandes transformações civilizatórias. E o drama, segundo Euclides, é que "Estamos condenados à civilização. Ou progredimos, ou desaparecemos" (p.52).
Note-se que havia uma transposição dos modelos da Biologia e das chamadas Ciências Naturais para os estudos da sociedade e da cultura. Assim, se existe indefinição étnica é preciso que a nação se responsabilize por superá-la introduzindo padrões de cultura e civilização que foram impedidos de se afirmarem em virtude dos cruzamentos raciais. Entende-se por que muitos contemporâneos de Euclides da Cunha advogavam a política da destruição total de Canudos: o que se combatia lá era o próprio obstáculo ao progresso.
Mas, a certa altura de Os sertões lemos:
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. (p, 81)
Isto é, o autor parece tropeçar diante de um conjunto de teorias que absorvera sem grande profundidade e que tratara de aplicar para a feitura do seu livro.
O resultado é um ecletismo muitas vezes confuso e contraditório. Para explicar aquela célebre frase, estabelece um engenhoso conjunto de argumentos cuja consistência, no entanto, pode ser questionada. Ele considera existirem diferenças entre o mestiço do sertão e o do litoral. O primeiro ficou livre da carga civilizatória da cultura "superior". Isolado, perdido nas caatingas, longe das cidades e de seus modos de vida, recebeu impacto menor daquela cultura, por isso não decaiu.
É apenas um retrógrado. O segundo, vivendo nas grandes cidades, em contato com formas de vida e cultura que não consegue absorver por não possuir uma estrutura mental suficientemente ágil e desenvolvida, sofreu o peso deste processo e sucumbiu degenerando-se. Quer dizer, o sertanejo é um sobrevivente: é forte porque conseguiu, de um lado, adaptar-se a um meio difícil, inóspito, e, por outro, não recebeu os impactos da civilização que levaram à decadência física e moral do mestiço costeiro.
Daí as célebres antíteses acerca do sertanejo. Trata-se de um Hércules/Quasímodo, um guerreiro combativo e valente, porém feio, mirrado, estranho. A aparência enganadora faz que diante dos desafios este homem mude como deduzimos do trecho a seguir: [...] e da figura vulgar do tabaréu canhestro, reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias. (p. 81)
Este bárbaro impetuoso é dos brasileiros o "mais tenaz; é mais resistente; é mais perigoso; é mais forte; é mais duro" (p. 84).
Como se percebe nesta secção referente ao "homem", Euclides da Cunha está marcado por uma contradição. De um lado, seguindo a esquemática orientação das equivocadas teorias raciais discriminatórias do século XIX, condenam as "sub-raças" que impedem o avanço da civilização, De outro, verificando a capacidade sertaneja de resistir às adversidades colocadas por um meio difícil, pelo abandono, pela violência exercida pelos do- nos de terras, revela admiração. Este último sentimento irá afirmar-se mais para o final de Os sertões, quando a condenação inicial da "sub-raça" se transforma em de- núncia da violência exercida pela "pureza" civilizada do mundo costeiro contra o sertanejo.

A LUTA: A última secção é dedicada a mostrar as várias expedições do Exército contra Canudos e a consequente resistência sertaneja. É o momento em que as ações humanas ganham papel central, sendo quebrada a arbitrariedade dos esquemas deterministas.
O texto ganha intensidade dramática e se transforma numa sucessão de eventos nos quais se misturam a coragem, a violência e a barbárie da guerra; a escrita euclidiana ganha força épica.
Após historiar os antecedentes da luta, Euclides fixa-se, particularmente, na quarta expedição, comandada por Artur Oscar, Faz um balanço dos erros táticos cometidos pelos oficiais do Exército: problema de abastecimento falta de mobilidade e adaptabilidade às condições do terreno, utilização de formas clássicas e convencionais de guerra contra um inimigo que agia segundo estratégias guerrilheiras etc. Ao mesmo tempo destaca a determinação e a coragem dos sertanejos. Conhecedores do terreno, defendendo a "justa causa", os Conselheiristas impuseram à luta um ritmo que lhes era mais favorável.
Mas o texto alcança, talvez, suas páginas mais me- moráveis quando se dedica a mostrar os últimos dias de Canudos, a resistência final dos Conselheiristas. Cerca dos, dinamitados, bombardeados, doentes, famintos, alquebrados pela longa jornada guerreira, os sertanejos, a cada vez que pareciam batidos, ressurgiam como "mortos vivos".
 É, sobretudo neste momento que os juízos preconceituosos e condenatórios das partes iniciais de Os sertões transformam-se em admiração e respeito pelos sertanejos:
Sucedeu, então, um fato extraordinário de todo em todo imprevisto.
O inimigo desairado revivesceu com vigor incrível. Os combatentes, que o enfrentavam desde o começo, desconheceram-no. Haviam-no visto, até aquele dia, astucioso, negaceando na maranha das toca ias, indomável na repulsa às mais valentes cargas, sem par na fugacidade com que se subtraía aos mais improvisos ataques. Começaram a vê-lo heroico. (p. 375)
A resistência fabulosa dos "rudes patrícios indomáveis" (p, 387) leva Euclides a ironizar o poderio do Exército:
[...] os triunfadores, aqueles triunfadores, os mais originais entre todos os triunfadores memorados pela História, compreenderam que naquele andar acabaria por devorá-los, um a um, o último reduto combatido. Não lhes bastavam seis mil Mannlichers- e seis mil sabres; e o golpear de doze mil braços, e o acalcanhar de doze mil coturnos; e seis mil revólveres; e vinte canhões, e milhares de granadas, e milhares de shrapnels, e os degolamentos, e os incêndios, e a fome, e a sede; e dez meses de combates, e cem dias de canhoneio contínuo; e o esmagamento das ruínas; e o quadro indefinível dos templos derrocados; e, por fim, na ciscalhagem das imagens rotas, dos altares abatidos, dos santos em pedaços - sob a impassibilidade rios céus tranquilos e claros - a queda de um ideal ardente, a extinção absoluta de uma crença consoladora e forte... (p. 397)
O que se lerá na descrição do ataque final das torças oficiais, ocorrido a 5 de outubro de 1897, é o genocídio, a brutalidade, a infinita capacidade humana para a destruição. No desenho do teatro trágico em que havia se convertido o sertão da Bahia parecia ecoar as célebres palavras do narrador do romance O coração nas trevas, de Joseph Conrad: “o horror, o horror, o horror).
O olhar indignado de Euclides da Cunha reconhece na ação modernizadora da civilização que marchou contra Canudos a marca da destruição:
[...] Apesar de três séculos de atraso os sertanejos não lhes levavam a palma no estadear idênticas barbaridades. (p. 378)
Neste sentido, existe a inversão da fórmula inicial do livro, pois os civilizadores de ontem se tornam os bárbaros de hoje, mas agora abençoados pelas leis do país:
Chegando à primeira canhada encoberta, realizava-se uma cena vulgar. Os soldados impunham invariavelmente à vítima um viva à República, que era poucas vezes satisfeito. Era o prólogo invariável de uma cena cruel.
Agarravam-na pelos cabelos, cobrando-lhes a cabeça, esgargalando- lhe o pescoço; e, francamente exposta à garganta, degolavam-na. Não raro a sofreguidão do assassino repulsava esses preparativos lúgubres. O processo era, então, mais expedito: varavam-na, prestes, a facão.
Um golpe único, entrando pelo baixo ventre. Um destripamento rápido...
Tínhamos valentes que ansiavam por essas cobardias repugnantes, tácita e explicitamente sancionadas pelos chefes militares. [...] (p.378)
A degolação era, por isto, infinitamente mais prática, dizia-se nuamente. Aquilo não era uma campanha, era uma charqueada. Não era a ação severa das leis, era a vingança. [...] (p. 381)
O que resta como condenação final é a ideia de que os sertanejos, sob as bombas de dinamite e a fumaça saída do fogo que consumia os casebres, forjaram o "cerne de urna nacionalidade" (p. 398). O que se tentou destruir em Canudos foi "a rocha viva da nossa raça" (p. 398).
Como se percebe, o livro de Euclides da Cunha termina de uma forma muito diferente da que havia começado. Como obra antilinear, deve ser lida respeitando-se o fogo vivo de suas próprias contradições.

A RELIGIÃO: Nas circunstâncias deste ambiente e deste homem que vive a quilômetros da costa e é desconhecido do resto do país, [...] em luta aberta com o meio, que lhe parece haver estampado na organização e no temperamento a sua rudeza extraordinária, nômade ou mal fixo a terra, o sertanejo não tem, por bem dizer, ainda capacidade orgânica para se afeiçoar à situação mais alta [...].
[...] Está na fase religiosa de um monoteísmo incompreendido, eivado de misticismo extravagante, em que se rebate o fetichismo do índio e do africano. É o homem primitivo, audacioso e forte, mas ao mesmo tempo crédulo, deixando-se facilmente arrebatar pelas superstições mais absurdas. Uma análise destas revelaria a fusão de estádios emocionais distintos. “A sua religião é, como ele mestiça” (p, 96).
Ao constatar a existência em Canudos de um modo de vida fortemente marcado pelo elemento religioso, Euclides procura explicá-lo como resultado do isolamento daquelas populações. As práticas místicas seriam, então, produto do abandono social, da indefinição étnica e da presença de elementos do catolicismo mal compreendido.
Ou seja, é o homem de formação positivista tentando explicar as razões pelas quais as superstições e o sentimento religioso teriam se difundido entre os sertanejos. Esta posição produz dois resultados ao longo de Os Sertões. Um abrangente e que permite visualizar de modo amplo o drama ocorrido às margens do rio Vaza-Barris, visto que para lá teriam convergido os temas da nacionalidade dividida, das diversas ligações históricas, políticas e culturais que sustentam o atraso e as consequentes anomalias místicas daí derivadas.
 Outro, restritivo que uniria a partir dos mesmos interesses religiosos um grupo de indivíduos desejosos de construírem um mundo diferente e sem os vícios e pecados conhecidos. Ao longo da narrativa de Os sertões, a figura do sertanejo é resgatada da condição de entrave para o progresso. Ao mesmo tempo, projetada como tipo heroico, vítima das elites litorâneas. Considera-se, contudo, o fato de permanecer, no livro, praticamente inalterada a ideia de que o aspecto religioso de Canudos decorre das condições favoráveis apresentadas na região para o crescimento do fanatismo.

O PROFETA: Neste quadro surge Antônio Conselheiro o bufão arrebatado do apocalipse. O que esta escrito em Os sertões acerca do Conselheiro pode ser resumido a um termo: era um louco que só virou personagem histórica porque não lhe internaram no hospício:
 [ ... ] Espécie de grande homem pelo avesso, Antônio Conselheiro reunia no misticismo doentio todos os erros e superstições que formam o coeficiente de redução de nossa nacionalidade.
[ ... ] (p. 119)
Assim, o homem Antônio Conselheiro só pode ser entendido como expressão de uma sociedade e de um meio marcado pelo atraso secular. Ele sistematizaria as tendências de todos os erros que caracterizam a mestiçagem indefinida; integrando os caracteres vagos, indecisos, dispersos, que nele se faziam visíveis reuniria, pois, todas as "crenças ingênuas, do fetichismo bárbaro às aberrações católicas, todas as tendências impulsivas das raças inferiores, livremente exercitadas na indisciplina da vida sertaneja, se condensaram no seu misticismo feroz e extravagante" (p. 102).
O agnóstico Euclides da Cunha, escudado numa psicologia positivista de circunstância, expõe sua recusa à questão da religiosidade popular, ao mesmo tempo em que busca explicar o fenômeno Antônio Conselheiro como movido pelo desequilíbrio. Ao desequilíbrio racial provocado pela mestiçagem e pelo atraso civilizatório só poderia corresponder um líder mentalmente degenerado:
Paranoico indiferente, este dizer, talvez, mesmo não lhe possa ser ajustado, inteiro. A regressão ideativa que patenteou, caracterizando-lhe o temperamento vesânico, é certo, um caso notável de degenerescência intelectual, [ ... ] (p. 103)

A CIDADE: Neste contexto, Canudos nada mais poderia ser do que o lugar onde se reuniram um bando de bárbaros, valentões fugidos da Justiça, místicos à espera da chegada do Salvador para a redenção final, dirigidos por um Profeta paranoico com força para hipnotizar as massas. Euclides utiliza, então, uma série de expressões negativas para designar Belo Monte: urbs monstruosa de barro, civitas sinistra do erro, imunda antessala do Paraíso, pobre peristílo dos céus:
 Canudos era o homizio de famigerados facínoras. Ali chegavam de permeio com os matutos crédulos e vaqueiros iludidos, sinistros heróis da faca e da garrucha. E estes foram logo os mais quistos daquele homem singular, os seus ajudantes-de-ordens prediletos, garantindo-lhe a autoridade inviolável. Eram, por um contraste natural, os seus melhores discípulos. A seita esdrúxula - caso de simbiose moral em que o belo ideal cristão surgia monstruoso dentre aberrações fetichistas - tinha os seus naturais representantes nos Batistas truculentos, capazes de carregar os bacamartes homicidas com as contas dos rosários... (p. 130) 4
À medida que a obra vai sendo escrita, Euclides relativiza sua crítica, e o julgamento preconceituoso vai sendo abandonado. Canudos, progressivamente, torna- se símbolo de uma raça forte, de lutadores incansáveis que mereciam ter sido tratado de forma diferente:
"Requeriam outra reação. Obrigavam-nos a outra luta. Entretanto enviamos-lhes o legislador Comblain: e esse argumento único, incisivo, supremo e moralizador - à bala" (p. 140). Por isso: Decididamente era indispensável que a campanha de Canudos tivesse um objetivo superior à função estúpida e bem pouco gloriosa de destruir um povoado dos sertões.
Havia um inimigo mais sério a combater, em guerra mais demorada e digna. Toda aquela campanha seria um crime inútil e bárbaro, se não se aproveitassem os caminhos abertos à artilharia para uma propaganda tenaz, contínua e persistente, visando trazer para o nosso tempo e incorporar à nossa existência aqueles rudes compatriotas retardatários. (p. 350)
Canudos deixa de ser, portanto, o lugar de reunião de místicos e bandidos para se tornar o ponto de encontro dos rudes compatriotas, cujo único pecado era o de viverem socialmente marginalizados.

Conclusão: Este resumo de leitura procurou mostrar alguns dos aspectos que dirigem a constituição do livro maior de Euclides da Cunha. Como toda grande obra, esta também possui a rara qualidade de prestar-se a leituras múltiplas em momentos diversos. Após mais um século de sua publicação, Os sertões continuam a estimular discussões e a requisitar contínuas revisões. Dado o seu caráter de texto polêmico, desafiador e, sobretudo inventivo no que diz respeito ao percurso da linguagem, tornou- se ponto de referência obrigatório para se conhecer o nosso desenvolvimento social, político e econômico.
 É necessário, ler Os sertões como obra dinâmica, em que conceitos são rapidamente superados e a escrita se faz maior do que o estreito projeto determinista que marca o livro. Caso a obra se esgotasse em acusações preconceituosas, teria, seguramente, desaparecido, como tantos livros escritos no período sobre o assunto e marcados pelo mesmo arsenal teórico positivista e evolucionista. Ficasse apenas na visão segundo a qual a luta das raças é a força motora da história, o Conselheiro, um louco e Canudos um homizio de bandidos, o livro estaria relegado ao esquecimento.
Ao chegar às últimas páginas de Os sertões afirmando que o sertanejo é a rocha viva da nacionalidade que a dinâmica do genocídio promovida contra Canudos fora expressão do movimento anticivilizatório revelador dos crimes que as nações são capazes de praticar, contra si mesmas. Euclides havia atravessado o longo caminho que vai da superficialidade do esquema para a grandeza nascida de uma sensibilidade que honestamente procurou apreender a extensão e a profundidade dos acontecimentos passados às margens do rio Vaza-Barris.

Texto retirado do livro Coleção Roteiros de Leitura.
Editora Ática /Autor Adilson Citelli.

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